Ciclo de Exposições na Ante-Sala e Salão da BASE
Exposição Terra de Ninguém de Ricardo Castro Ferreira

Texto de Pedro Arrifano

Contracção e expansão: Uma melancolia eufórica

O primeiro grau de uma arte que seja digna desse nome pressupõe a criação de um campo pleno de vibrações atómicas, explosivas, intensas. Para a produção de uma arte assim é necessário um corpo que palpite, que vibre e tenha um pouco de crueza e mesmo de crueldade e saiba estar só consigo mesmo: um misto de melancolia e de euforia. Este corpo-artístico deve ainda conservar em si o uso da liberdade, independência e saber saborear a sabedoria. A exposição que Ricardo Castro Ferreira nos apresenta tem tudo isto. São pinceladas em camadas, húmido sobre húmido, uma sobreposição de tintas geradoras de uma espécie de alquimia que desoculta um oculto até então desconhecido – o dele e o nosso – num processo de encontro com a obra após ela própria se desvelar como um discurso de verdade ou realidade que repousa nas oposições real/irreal, imagem/modelo, verdadeiro/falso: zonas de uma distinta criação.

Terra de Ninguém

O artista reserva neste espaço expositivo um lugar próprio para o observador – uma “terra de ninguém” – situado algures entre as duas paredes escolhidas para abrigarem as suas obras. De um lado, é possível observar uma parede com trabalhos de maior escala, plenos de formações suaves e sóbrias e uma gestualidade lenta e contida: Lugar do Tudo-Nada; do outro lado, como que a desafiar-nos, uma parede composta por pequenas obras vibrantes, recheadas de festividade e frenesim: Lugar do Mais-Tudo.
Na primeira, as obras do artista parecem fazer parte de um Tudo de cicatrizes que teimam em não estancar, revelando uma melancolia profunda que parece querer retomar a discussão sobre o Ser e o Nada. Mas, acreditará o artista, pior que angustiarmo-nos com a contingência do mundo é nunca nos termos angustiado com os diversos nadas que a vida tem. Esses nadas povoam todas estas obras tanto nas cores usadas como na sua extensão; a sua essência é a contracção do corpo… o fechamento em si mesmo.

Terra de Ninguém

Na outra parede, repleta de trabalhos em menor escala, podemos perceber que se parte de um imenso Mais, um mais de ser, um mais de júbilo, de festim, de expansão. A essência destas obras é a expansão do corpo. Como é que um corpo se expande? Encontrando-se com outros corpos… germinando, diversificando.
Neste entre uma coisa e outra, nesta terra de ninguém, artista e observador são o tudo que é nada e o nada que é tudo, são um entre isto e aquilo, ou como afirma Ricardo Reis: são somente o lugar onde se sente ou se pensa. Cabe ao observador decidir.