Ciclo de Exposições na Ante-Sala e Salão da BASE
Exposição space in between de Filipa Pestana
Texto de Pedro Arrifano
Ca(u)sa
O que surgiu primeiro a casa ou o caminho? Haveria caminho para casa ou simplesmente a ca(u)sa é já caminho? Ou toda a casa deixa um rastro e todo o caminho é já rasto de uma casa? Filipa Pestana, apresenta-nos com “Space in between” a sua ca(u)sa recheada de uma serie de obras-rastos, maioritariamente em tela, barro, gesso e acrílico, que nos fazem pensar sobre um tempo específico: aquele que já passou, mas que continua presente. Um passado vivo nos pormenores e que nem sempre é percebido, “Espaços marcados com camadas de tempo”. Rastos traduzidos em obra que evocam eventos ocorridos em um período anterior ao presente, os quais começaram no passado, mas que persistem em ocorrer, pois para a artista importa expressar aquilo que não se concluiu, ou como diria Levinas, a experiência essencial não está na síntese totalizante, mas na relação intersubjetiva…no “in between” entre um eu e um outro. O rasto aqui é abertura para a possibilidade de encontro com o outro mas a impossibilidade da sua realização. A pintura na parede, os fechos de luz, a normalidade dos objectos de uso diário que foram abandonados, as partículas de pó, as janelas, as portas, são tudo outros que “indicam que ali houve vida”, porque para a artista o outro é já impossibilidade de ser contactado, se assim não fosse não seria um outro. Na impossibilidade deste vínculo, restam a sua ca(u)sa: as obras-rastos como possibilidade de não esquecimento deste outro.
As obras-rastos concebidas numa microescala são de certa forma narrativas que mostram desconstrutivamente a história oculta que todos os entes e seres guardam em si…as suas violências e os seus apaziguamentos, porque não há melhor indício de uma situação de violência que o apaziguamento e vice-versa. Em certos momentos é possível descortinar a plasticidade e imprecisão de Antoni Tàpies (#3), a paleta de cores a lembrar Etel Adnam (#4), o encaixe visível nas peças #8, #9, #10, #11 remetem para o beijo de Brancusi, bem como para lembranças alteritárias e amorosas. Na verdade, há algo em cada peça que não se vê e que tem implicação direta na forma como as olhamos e isso é claramente demonstrativo de que esta exposição tem um carater aberto e paradoxal: “Saio para fora dessa casa com o desejo de voltar ao tempo de hoje, com o medo dum passado que se sentia presente.” Uma extensão da faculdade de perceber, assente no despreendimento da realidade. E eis aqui o paradoxo criativo, pois apesar de Filipa Pestana se desprender da realidade, vê nela mais coisas.
Parece legitimo afirmar que esta serie de obras aqui expostas são interrupções de uma(s) vida(s), das deles e também da própria artista. Interrupções que servem como interruptores para nos dar a perceber o que está esquecido e aí, #1, olhada de certo prisma, parece um interruptor a quem foram tirados os botões de forma a impedir a entrada da luz deixando perceber o que está ausente; e os feixes de luz que se projectam no espaço de Untitled #7, #12, #13, servem para interromper o pensamento da totalidade, permitem-nos perceber que há um rasto, o que não se fecha, o aberto, que impede que a memória desapareça: quando me creio totalmente feliz, por sorte há algo que sobra que impede a totalidade. Aquilo a que Henri Bergson, filósofo contemporâneo francês, um dia falou numa das suas conferencias sobre a metafísica: uma simpatia intuitiva. Uma simpatia que nos faz transportar para o interior de um objecto para coincidir com aquilo que ele tem de único e, por conseguinte, de inexprimível, pois deixa-se entregar à análise múltipla e incessante de pontos de vista para completar a representação sempre incompleta. Na verdade, as obras desta exposição, só constituem estados múltiplos porque a artista já os ultrapassou e voltou-se para trás para observar-lhes o rasto…na verdade, nenhum deles começa ou acaba, mas prolongam-se todos uns nos outros, num enrolamento contínuo (#6), pois o nosso passado segue-nos, avoluma-se incessantemente com o presente que recolhe pelo caminho e ter disso consciência significa ter memória…significa ter uma ca(u)sa. Filipa Pestana tem.