Ciclo de Exposições na Ante-Sala e Salão da BASE Exposição Se eu não posso tocar, posso ver? de Carolina Melo Rocha Texto de Pedro Arrifano
Acrobat tactus
Se eu não posso tocar, posso ver? É o título que Carolina Rocha atribui à sua exposição. Uma pergunta que nos revela a importância que a artista dá ao toque. Pensemos. Se eventualmente não me for dada a oportunidade de tocar o objecto que tenho à minha frente, se isso me for proibido, eu conseguirei captá-lo, percepcioná-lo…dar conta que ele está ali? A pergunta encerra em cima um pendor irónico.
Há de facto no trabalho de Carolina um lugar para aquilo que não se vê mas “está lá”, digamos que ela procura neste conjunto de trabalhos impressionar o espectador através de procedimentos extraordinários. Mas fá-lo, como Akróbatos (acrobata) que do latim significa andar na ponta dos pés. É discreta, pouco ruidosa mas deixa rasto…um rasto que importa seguir tal como a artista deixa seguir, até que seque, a cera de abelha que coloca nos seus moldes-contentores. A intuição é o crivo nesta espécie de bailado entre a matéria natural e a matéria artificial (o pigmento que coloca na cera) e nas quatro fotos macro que são uma espécie de radiografia aos desenhos que produz.
É ela que vai dar conta da realidade movente que se apresenta diante da artista. Uma forma humana de pensamento que faz voltar a consciência para a duração interior de cada indivíduo. A arte é esta experimentação ou expressão da realidade singular. É o fluxo da duração que constitui a realidade mais íntima de todas as coisas. O artista não pretende representar as formas sensíveis, mesmo que por vezes assim o pareça. Carolina arranja meios e técnicas para expressar a singularidades e conduzir o espetador a também experimentar essas singularidades. De certa forma esta exposição trata daquilo que nos podemos abstrair, ou seja daquilo que separa, retira, subtrai.
O mundo das concordâncias e dos reconhecimentos não a apela. Direciona-se para o acidente, aquilo que aconteceu mas podia não ter acontecido. Um acidente controlado, que não se deixa ferir de morte. A obra não morre neste acidente, pelo contrário, o acidente é a causa das suas obras entrarem em processo e viverem. Este acidental que acontece é resultado da descarga de caos no meio que a artista utiliza. Uma catástrofe-germe de ritmo, princípio da intensidade, da sensação na obra. É potência/dinamismo: caminho para a essência. A arte luta com o caos, para torná-lo sensível e a artista capta um pedaço de caos, tanto num molde-contentor como numa foto tremula tirada a um desenho.
O corrimento da cera de abelha no molde e a mão tremula, o pequeno desvio dado a uma fotografia tirada a um desenho, é o seu caos-germe. É algo que a artista vai direcionando e ao mesmo tempo distanciando-se do ensinado, domesticado. A noção de caos-germe quer dizer que existe algo que a artista coloca na sua obra para começar a produzir linhas, que são germinais. O que a artista visa são as diferenças mínimas, o caos que fervilha microscopicamente sob as grandes unidades visíveis, esta é para ela a “experiência real”. Captar a essência da arte é descrever as fases do processo, defendia o filósofo alemão Georg Simmel. Este processo elaborado por Carolina é genético, é dele que se capta o modo como a génese desponta na obra em estado nascente e é dele que depois se vislumbra o amadurecimento da obra finalizada.