R.T.Snott
Tricotando afectos 

O que é que sucede quando agulhas de tricot cristalizam o tempo? Provavelmente surge um desfile de obras tricotadas num jardim de fantasia pleno de luz. Um lugar onde é possível vislumbrar uma memória colectiva ser recuperada e expandida num conjunto de técnicas somadas em várias peças. A partir de um estilo ancestral português de tricotar, R.T.Snott, pretende ir além do que a máquina-produção-instituição é capaz, dando-lhe uma espécie de tempo interno onde as agulhas se tornam ponteiros e os pontos minutos. Porque a vida é uma escultora, uma apaixonada pela variação das formas, neste Jardim que o artista nos apresenta, existe uma estética aracnídea do tecer que exige paciência, sabedoria – tempo puro, onde o real e o imaginário se tornam indiscerníveis. Nesta pureza do tempo passado e presente, as artes classicamente estão divididas entre manuais e ópticas. A arte manual é aquela onde se usa as mãos como modelo de compreensão para fazer arte e a arte óptica aquela em que o artista fica de um lado e o objecto do outro. R.T. Snott, nesta sua técnica de tricotar tradicional portuguesa aproxima-se da chamada arte háptica que vem de haptô, que em grego quer dizer tocar. É uma arte em que o artista não se distancia do objecto ; antes mistura-se com ele: toca-o. A esta mistura do artista com o objecto chama-se tempo puro…tempo feito de fios emaranhados onde cada peça realizada passa a ser um  bloco de afectos e não um bloco de representações. É como se o artista trouxesse – no seu interior – um mapa ou uma tricografia dos afectos e das forças que residem em si…uma polifonia de cores e pontos que juntos formam a “The Cosmic Lighthouse”. Estes afectos tricotados ocorrem num agenciamento/encontro quando algo do exterior excita/desperta em si o surgimento do afecto que tanto pode ser uma obra de Cézanne, uma ampulheta, uma planta carnívora ou um deambular pelas ruas da cidade. Na verdade um artista explica-se pelos afectos, ou seja, não pelas formas mas pela potência. A potência de R.T. Snott está precisamente na luta que trava para que as forças (as suas) do afecto se libertem e nesse processo vai puxando linhas de abolição da sua própria vida urdindo um tricot-narrativa singular que é um honesto convite para que o observador/espectador entre no domínio da (sua) fantasia.

Pedro Arrifano